Sexta com Arte - Ricardo Aleixo

 

 
Palavrear

Minha mãe me deu ao mundo
e, sem ter mais o que me dar,

me ensinou a jogar palavra
no vento pra ela voar.

Dizia: “Filho, palavra
tem que saber como usar.

Aquilo é que nem remédio:
cura, mas pode matar.

Cuide de pedir licença,
antes de palavrear,

ao dono da fala que é
quem pode lhe abençoar

e transformar sua língua
em flecha que chispa no ar

se o tempo for de guerra
e você for guerrear

ou em pétala de rosa
se o tempo for de amar.

Palavra é que nem veneno:
mata, mas pode curar.

Dedique a ela o respeito
que se deve dedicar

às forças da natureza
(o animal, a planta, o ar),

mesmo sabendo que a dita
foi feita pra se gastar,

que acaba uma, vem outra
e voa no seu lugar.”

Ainda ontem, lá em casa,
me sentei pra conversar

com as minhas duas meninas
e desatei a lembrar

de casos que a minha mãe
se esmerava em contar
com luz de lua nos olhos
enquanto fazia o jantar.

Não era bem pelo assunto
que eu gostava de escutar

aquela voz que nasceu
com o dom de se desdobrar

em vozes de outras eras
que voltarão a pulsar

sempre que alguém, no vento,
uma palavra jogar.

Gostava era de poder
ver a voz dela criar

mundos inteiros sem quase
nem parar pra respirar

e ganhar corpo e fazer
minha cabeça rodar,

como roda ainda hoje,
quando, pra me sustentar,

eu jogo palavra no vento
e fico vendo ela voar

(jogo palavra no vento
e fico vendo ela voar)


Ricardo Aleixo



Bem vinda sexta-feira. Fica decretado, nesse blog,  que todas as sextas serão dedicadas a Arte. Nessa primeira sexta, destacamos a obra do poeta Ricardo Aleixo, que chega inicialmente mediada poru m  artigo da escritora Cidinha da Silva.

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"Em verso genial do poema “rondó na ronda noturna”, o poeta Ricardo Aleixo nos conta que “quanto mais negro, mais alvo”. Como na letra de “Haiti”, de Caetano e Gil, “rondó” contém doutoramentos inteiros, teses completas sobre a assimetria das relações raciais no Brasil. É o poder de síntese e de expansão da arte.

 Engana-se quem pensa que somos vítimas de racismo, somos alvo do racismo, como disse Carlos Moore há décadas, antes de conhecer Ricardo, que por sua vez o disse em 1999, também sem conhecer o Carlos. Existia então, em ambos, o poeta e o antropólogo, compreensão similar desse fenômeno que mata a gente negra, como matou Amarildo da Silva, Cláudia Ferreira, Patrick Ferreira de Queiroz, Douglas Rafael, o DG, e desapareceu a Davi Fiúza, entre milhares de outros homens, jovens, mulheres e crianças negros que não tiveram seus nomes divulgados e são executados pela polícia dia após dia.


Leia a matéria completa em: Quanto mais negro, mais alvo! - Geledés



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Aleixo por ele mesmo:

Poeta. Compositor. Cantor. Performador. Ensaísta. Artista visual e sonoro. Curador da ZIP/Zona de Invenç˜ao Poesia & e Coordenador Geral do Festival de Arte Negra de Belo Horizonte/FAN 2013. Co-editor da “Coleção Elixir”, da Tipografia do Zé, junto com Flávio Vignoli. Publicou os livros “Festim” (1992), “A roda do mundo” (1996 e 2004, com Edimilson de Almeida Pereira), “Quem faz o quê? (1999), “Trívio” (2001), “A aranha Ariadne” (2003), “Máquina zero” (2004), “Céu inteiro” (2008) e “Modelos vivos” (2010). Prêmios e outras distinções: “Prêmio Literatura para todos” (categoria Poesia, 2010); “Prêmio Bonsucesso” (categorias Melhor espetáculo e Melhor trilha sonora, para “Quilombos urbanos”, da Cia. SeráQuê?, 2000); “Bolsa para escritores com obras em fase de conclusão” (Fundação Biblioteca Nacional, 2004, com o projeto do livro de ensaios “Palavras a olhos vendo: Escritos sobre escritas”, inédito); “Bolsa Petrobras Cultural”, com o projeto do livro de poemas “Modelos vivos”; inclusão dos livros “Trívio” e “A roda do mundo”, respectivamente, nos vestibulares da UNI-BH, de 2002, e da UFMG, de 2004.
Fonte:  Jaguadarte
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"performance intermídia de ricardo aleixo, baseada nos poemas de seu livro "modelos vivos", um dos 10 finalistas do prêmio portugal telecom 2011. ficha técnica: roteiro, edição e sound design: ricardo aleixo."
Fonte:  Ricardo Aleixo
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