Palavrear
Minha mãe me deu ao mundo
e, sem ter mais o que me dar,
me ensinou a jogar palavra
no vento pra ela voar.
Dizia: “Filho, palavra
tem que saber como usar.
Aquilo é que nem remédio:
cura, mas pode matar.
Cuide de pedir licença,
antes de palavrear,
ao dono da fala que é
quem pode lhe abençoar
e transformar sua língua
em flecha que chispa no ar
se o tempo for de guerra
e você for guerrear
ou em pétala de rosa
se o tempo for de amar.
Palavra é que nem veneno:
mata, mas pode curar.
Dedique a ela o respeito
que se deve dedicar
às forças da natureza
(o animal, a planta, o ar),
mesmo sabendo que a dita
foi feita pra se gastar,
que acaba uma, vem outra
e voa no seu lugar.”
Ainda ontem, lá em casa,
me sentei pra conversar
com as minhas duas meninas
e desatei a lembrar
de casos que a minha mãe
se esmerava em contar
com luz de lua nos olhos
enquanto fazia o jantar.
Não era bem pelo assunto
que eu gostava de escutar
aquela voz que nasceu
com o dom de se desdobrar
em vozes de outras eras
que voltarão a pulsar
sempre que alguém, no vento,
uma palavra jogar.
Gostava era de poder
ver a voz dela criar
mundos inteiros sem quase
nem parar pra respirar
e ganhar corpo e fazer
minha cabeça rodar,
como roda ainda hoje,
quando, pra me sustentar,
eu jogo palavra no vento
e fico vendo ela voar
(jogo palavra no vento
e fico vendo ela voar)
lindo e esvoaçante.
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